DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE… O CARRO

Angola tem o quarto combustível mais barato do mundo, mas os angolanos temem que este cenário mude, com o anunciado fim dos subsídios, por pressão de instituições financeiras internacionais que são quem, de facto, manda no país (des)governado há 47 anos sempre pelo mesmo partido, o MPLA.

Manuel Nazaré, em declarações à Lusa, no posto de abastecimento da Sonangol, na avenida Comandante Gika, em Luanda, diz que “o Governo já vem a subsidiar o combustível há muitos anos, o que é necessário é que o Governo crie condições mínimas para que o povo não fique alarmado”.

O reformado abasteceu a viatura acompanhado da mulher, Manuel Nazaré, e reconheceu que gasta mais na compra de água do que para atestar o carro.

Angola é o quarto país do mundo onde é mais barato encher um depósito de combustível. Enquanto na Europa – e em Portugal, em particular — os automobilistas optam por veículos utilitários e têm o consumo de combustível em conta na altura da compra, em Angola, país dotado de um parque automóvel onde abundam robustos jipes e ‘pickups’, essa não parece ser uma preocupação, já que sai quase sempre mais barato dar de “beber” ao carro do que matar a sede.

Enquanto o preço médio de 1,5 litros de água engarrafada ronda os 180 kwanzas (34 cêntimos), um litro de gasolina custa 160 kwanzas (30 cêntimos), ou seja, cinco vezes menos do que em Portugal, segundo o site Global Petrol Prices, com dados actualizados em Janeiro de 2023.

“O Governo avisou várias vezes que o FMI (Fundo Monetário Internacional) quer fazer este ajuste”, disse, acrescentando que deveriam criar-se condições aos trabalhadores “para compensar” o aumento do combustível.

No mesmo posto de abastecimento, Marcelino André pede ponderação, salientando que muitos angolanos vivem longe do local de trabalho. E deu o seu exemplo, gasta semanalmente 16.000 kwanzas (29,7 euros) só em combustível.

“É preocupante (remover os subsídios aos combustíveis), visto que os salários são baixos e acredito que não combina muito bem também”, frisou.

Já Moisés Augusto, que trabalha por conta própria, teme as “consequências” do fim das subvenções: “trará muitas consequências, primeiro porque o salário base aqui não é grande coisa e depois acredito que as coisas aqui em Angola só têm subido e isso é muito desvantajoso para nós, cidadãos que consumimos, não é bom”.

Sentado no carro, Moisés Augusto dá uma solução simples: “Os salários deveriam subir mais e só assim que depois poderia paulatinamente subir as coisas, como combustíveis, e a cesta básica deveria baixar”.

Só a Venezuela, Líbia e Irão vendem gasolina mais barata do que Angola, enquanto no gasóleo, cujo litro custa 135 kwanzas, surgem ainda à frente na tabela a Arábia Saudita e a Argélia, atirando Angola para o sexto lugar da lista.

Os baixos preços dos combustíveis angolanos são também um atractivo para os contrabandistas que circulam entre a fronteira de Angola e da vizinha República Democrática do Congo, estimando-se que as perdas anuais atinjam os dois mil milhões de dólares, de acordo com dados revelados pela Polícia Nacional em Novembro do ano passado.

Angola partilha com a Nigéria o estatuto de maior produtor de petróleo em África, mas importa grande parte combustível que consome, tendo apenas uma refinaria em funcionamento (a de Luanda) e outras três em fase de projecto ou construção (Soyo, Lobito e Cabinda, tendo o Governo prometido que esta última estaria pronta em 2022).

Só no primeiro trimestre de 2022, o Governo subsidiou 339,7 mil milhões de kwanzas (630 milhões de euros) em combustíveis distribuídos em todo o país.

A ministra das Finanças de Angola admitiu, em Dezembro passado, que o país está a negociar com parceiros internacionais as compensações adequadas perante a remoção dos subsídios estatais ao preço dos combustíveis, uma decisão política que ainda não foi tomada.

Segundo Vera Daves, Angola está a analisar com o FMI e o Banco Mundial (BM) as “possíveis” medidas de mitigação do impacto social, porque as “preocupações mantêm-se” relativamente ao potencial impacto social da remoção dos subsídios aos combustíveis, que têm um preço muito baixo e não reflecte a oscilação do mercado internacional.

Funcionário de uma empresa privada, Cristóvão Domingues abastece a sua viatura duas a três vezes por semana no posto da Sonangap, no bairro de Alvalade, e pede “prudência e auscultação à população”.

É “dramática esta questão, retirar os subsídios ao combustível. Seria um pouco desastroso para aqueles que são proprietários das viaturas, como eu, não seria bom que o Governo tomasse essa iniciativa”, apontou Cristóvão Domingues que admite a ironia de Angola ter água engarrafada mais cara que a gasolina.

“Penso que a água deveria fornecida sem custos aos cidadãos, temos aqui muitos rios e não precisava que o litro de água estivesse em um preço mais elevado”, rematou Cristóvão.

Industriais favoráveis à redução de subsídios

O presidente da Associação Industrial de Angola (AIA) mostrou-se favorável à retirada dos subsídios estatais aos combustíveis, considerando que é preciso corrigir os preços, que até favorecem o contrabando.

José Severino admitiu que este “é o velho dilema da economia angolana, que se arrasta há dezenas e dezenas de anos sem ter havido, nalguns momentos, a coragem de se começar a acertar esse valor”.

O preço por litro dos combustíveis é superior ao da água engarrafada em muitos locais e isso “é algo que, paradoxalmente, não deve continuar a consistir na nossa economia”, sublinhou José Severino.

Segundo o presidente da AIA, num conjunto de 80 propostas feitas para este quinquénio ao nível do Orçamento Geral do Estado (OGE), apontou-se a questão dos combustíveis por ser um imposto “injusto” e que beneficia quem mais poder de compra tem.

O líder dos industriais angolanos frisou que a economia angolana perde mais de 200 milhões de dólares (192,5 milhões de euros) por ano com o contrabando de combustíveis por manter preços baixos.

“O mais subsidiado de todos na economia é o contrabandista, então, há que termos uma posição que não se resolve com a polícia, que faz aquilo que pode, mas não é omnipresente, e quanto mais polícia se tiver nesse processo, mais se está a sobrecarregar o OGE”, salientou.

Para José Severino, é preciso a correcção dos preços, particularmente do gasóleo, o mais contrabandeado.

Sobre esta matéria, analisando a economia interna, o presidente da AIA reconhece que existem ainda défices de energia, mas defende que o país “não pode estar à espera de ser perfeito para “não assumir que está a perder muito dinheiro” e que ao corrigir o preço dos combustíveis poderá compensar sectores que não têm energia, como fertilizantes e adubos, exemplificou.

“O Estado tem que ter dinheiro para levar benefícios a quem não tem energia, aos agricultores, por exemplo, e para isso tem que ter recursos, que têm que começar a vir do equilíbrio daquilo que é a venda dos combustíveis”, salientou.

José Severino reiterou que é preciso que o Estado comece a baixar os subsídios aos combustíveis, uma medida “que não era viável fazer-se no ano eleitoral, mas que, neste ano inicial, tem que se começar a corrigir”.

A indústria ainda é movida a geradores, destacou o presidente da AIA, bem como a agricultura que ainda usa e vai usar por muito tempo os tractores, muita energia para a captação da água, sectores que o Governo deve continuar a subsidiar.

Este aumento dos preços irá mudar o panorama das cidades, reduzindo a circulação rodoviária. Em Luanda, não se telefona vai-se, porque muitos dos nossos funcionários, inclusive bancários, poderiam vir em carros conjuntos ou ir de autocarros, mas todos vêm porque podem e é mais cómodo nos seus carros. Todos nós, sem excepção, devemos ser pressionados na racionalidade do uso dos combustíveis”, observou.

Para zonas em que não haja energia e a indústria depende do consumo de combustíveis, a AIA defende haver um esforço adicional “para o Governo pôr lá energia”, propondo que o executivo aceite parcerias público-privadas.

Folha 8 com Lusa

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